O futebol feminino, hoje em ascensão no Brasil, com jogadoras como Marta e Formiga alcançando fama internacional, nem sempre desfrutou de aceitação e respeito. Na verdade, a modalidade enfrentou barreiras estruturais e legais que impediram o seu desenvolvimento por décadas.
Mas afinal, o futebol feminino foi realmente proibido no Brasil? A resposta curta é sim, e a história por trás dessa proibição é cheia de nuances que revelam a luta das mulheres brasileiras por reconhecimento em um esporte tradicionalmente dominado por homens.
O Contexto Histórico e a Proibição Oficial
A proibição do futebol feminino no Brasil remonta ao início dos anos 1940, um período marcado pelo governo autoritário de Getúlio Vargas e seu Estado Novo. Em 14 de abril de 1941, o governo decretou que "as mulheres não se deviam dedicar a esportes incompatíveis com as condições de sua natureza", colocando o futebol, entre outros esportes de contato físico intenso, na lista de atividades proibidas para as mulheres.
Essa decisão foi baseada em uma visão antiquada de que esportes mais vigorosos eram perigosos para o corpo feminino e contrários ao que se considerava apropriado para a figura da mulher na sociedade. A ideia de que o futebol poderia prejudicar a saúde reprodutiva das mulheres era amplamente disseminada, uma noção sem base científica, mas que refletia o machismo da época.
A justificativa para essa medida, alegadamente para "proteger" as mulheres, na verdade tinha raízes profundas em preconceitos culturais, em que a mulher deveria ser relegada a atividades consideradas mais "delicadas".
O Período da Ditadura Militar: Restrições Prolongadas
Embora a proibição tenha sido oficializada em 1941, ela continuou a vigorar por muitos anos, atravessando os períodos subsequentes de instabilidade política e a Ditadura Militar que começou em 1964. Mesmo com o aumento do número de mulheres interessadas em jogar futebol, as barreiras legais permaneceram intactas. Foi somente em 1979, quase 40 anos após o decreto inicial, que a proibição foi oficialmente revogada, permitindo que as mulheres pudessem, legalmente, praticar o futebol no Brasil.
Durante esses anos, no entanto, várias iniciativas clandestinas e amadoras surgiram. Mulheres organizavam partidas informais, e alguns clubes tentavam, sem sucesso, formar equipes femininas. O desafio era tanto enfrentar as autoridades quanto vencer o preconceito social enraizado que via o futebol como um espaço exclusivamente masculino.
Luta e Resistência: O Nascimento de Equipes Femininas
Apesar da proibição, mulheres em várias partes do Brasil continuaram a praticar futebol de maneira não oficial. Em 1959, por exemplo, surgiu um caso simbólico quando a equipe feminina do Araguari Atlético Clube, de Minas Gerais, organizou partidas que atraíam grande público, desafiando a legislação vigente. Mesmo assim, esses eventos eram esparsos e sofriam repressão.
Foi apenas no final da década de 1970 que a resistência das jogadoras e a pressão da opinião pública começaram a mudar o cenário. Em 1971, foi organizado o primeiro Campeonato de Futebol Feminino no Rio de Janeiro, embora de maneira oficiosa e sem o reconhecimento das autoridades esportivas. Ainda que o campeonato não tenha sido suficiente para legalizar a modalidade, ele simbolizou o começo de uma nova era para o futebol feminino no país.
A Revogação da Proibição: O Recomeço do Futebol Feminino
A revogação oficial da proibição do futebol feminino aconteceu em 1979, durante o processo de abertura política que antecedeu o fim da Ditadura Militar. Com o fim das restrições legais, as mulheres finalmente puderam jogar futebol de maneira formal, mas o caminho para a profissionalização e o reconhecimento ainda estava distante.
Nos primeiros anos após a revogação, o futebol feminino no Brasil enfrentou enormes dificuldades, como a falta de patrocínio, preconceito e ausência de apoio institucional. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) levou anos para organizar competições formais e sequer investiu em uma liga feminina até décadas depois. Isso atrasou significativamente o desenvolvimento da modalidade no país, comparado com nações europeias e até mesmo com alguns países da América Latina.
Desafios Pós-Proibição: A Luta por Igualdade
Mesmo após a liberação do futebol feminino, as condições para as jogadoras eram precárias. Muitas delas não recebiam pagamento ou jogavam em campos de qualidade inferior, quando comparado ao futebol masculino. A infraestrutura era inexistente, e as competições eram esparsas. A primeira seleção feminina brasileira só foi formada oficialmente em 1988, quase uma década após o fim da proibição, refletindo o desinteresse das instituições esportivas em promover a modalidade.
Esse cenário só começou a mudar com o aumento da visibilidade internacional do futebol feminino na década de 1990, quando o Brasil participou de sua primeira Copa do Mundo em 1991. A partir desse momento, com o talento de jogadoras como Sissi e Roseli, e posteriormente Marta, o futebol feminino começou a ganhar espaço, embora ainda muito aquém do futebol masculino.
A Ascensão e o Futuro do Futebol Feminino
Atualmente, o futebol feminino no Brasil continua a lutar por maior reconhecimento, investimento e igualdade de condições. Competições como o Brasileirão Feminino e a Copa do Brasil Feminina surgiram, mas as jogadoras ainda enfrentam disparidades salariais e falta de patrocínio. No entanto, o sucesso da seleção brasileira, principalmente com Marta se tornando um ícone global, e a crescente visibilidade internacional indicam que o futebol feminino está finalmente recebendo a atenção que sempre mereceu.
O futebol feminino foi, de fato, proibido no Brasil por quase quatro décadas, prejudicando gerações de jogadoras talentosas e limitando o desenvolvimento da modalidade no país. A revogação da proibição em 1979 foi um marco, mas o caminho para a igualdade plena ainda é longo. Hoje, o futebol feminino segue em crescimento, apoiado pela resistência e perseverança de suas pioneiras, que não se curvaram às barreiras impostas pela sociedade e pelo Estado.
Embora as lutas ainda existam, a história do futebol feminino no Brasil é uma de resiliência e conquista. E, à medida que o esporte continua a ganhar popularidade e apoio, o futuro parece promissor para as próximas gerações de jogadoras brasileiras.
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